Em 2001, o economista Jim O´Neil, chefe de pesquisa em economia global do grupo financeiro Goldman Sachs, realizou o estudo “Building Better Global Economic Brics” (“Construindo uma melhor economomia global Brics”, em tradução livre), em que se destacaram os países que compõem o bloco (Brasil, Rússia, Índia, China e, desde meados de abril, também a África do Sul), devido ao papel de destaque que apresentam no cenário mundial, por conta do rápido desenvolvimento de suas economias. De acordo com a pesquisa, o potencial econômico desses países pode transformá-los nas quatro economias dominantes do mundo, até 2050 (a avaliação foi feita antes do ingresso da África do Sul no bloco).
Entretanto, cada um deles apresenta uma trajetória distinta, podendo ser agrupados somente pelo termo “emergentes”. De acordo com Rubens Sawaya, professor do departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, “o único elemento comum é que são países que conseguiram desenvolver certa estrutura industrial. Mesmo assim, essas estruturas são bastante distintas e foram construídas em épocas diferentes. Em termos de políticas econômicas, todos usaram as tradicionais políticas econômicas: câmbio desvalorizado, política fiscal expansionista e política de crédito abundante. A grande diferença é a estratégia que cada um adotou em seu processo de industrialização”, afirma.
Além de serem países em desenvolvimento, é importante notar que todos eles possuem uma grande extensão territorial, abundância em recursos minerais e mão de obra (por conta do tamanho de suas populações). Além disso, todos têm o Estado como indutor e promotor do desenvolvimento industrial de maneira bastante expressiva nos últimos cinquenta anos, apesar da China ser comunista, a Rússia já ter sido socialista e Índia e Brasil serem capitalistas. Outro ponto em comum é a abertura econômica promovida por eles na década de 90. “Nesse processo de emergência, cada um desses países vai ocupando um certo espaço na divisão internacional do trabalho, com a China e a Índia ocupando um espaço grande na economia mundial na produção de bens manufaturados e serviços, e o Brasil se especializando como produtor de commodities minerais e agrícolas”, corrobora Luis Antonio Paulino, doutor em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor de economia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus de Marília.
“A trajetória desses países, com exceção da Rússia, que à época da Guerra Fria já era uma grande potência militar e industrial e que, com o fim da União Soviética retrocedeu em seu status internacional de grande potência, os outros países apresentam uma trajetória bastante parecida de luta para superar o subdesenvolvimento e a pobreza crônica por meio de políticas de industrialização com uma participação muita ativa do Estado, num modelo mais ou menos parecido de nacional-desenvolvimentismo”, aponta Paulino, que não vê diferença entre os termos “emergente” e “em desenvolvimento” para designar os Brics. “São apenas rótulos que não mudam o fato substancial de que são todos países em desenvolvimento, lutando para ocupar um lugar de maior destaque no cenário político e econômico mundial neste início de século XXI”, confirma.
Brasil, Rússia, Índia e China apresentam grandes mercados internos a serem explorados, pois a população somada dos Brics representa, atualmente, 41% de todo planeta. Entretanto, na opinião de Sawaya, este segmento do mercado brasileiro já está consolidado, ao contrário do que acontece na China e na Índia. “É correto (afirmar que há um grande mercado interno) no caso da China e da Índia, onde estão entrando bilhões de pessoas que estavam fora. No caso do Brasil, menos. Nosso mercado já está ocupado. No Brasil, apenas políticas de crescimento econômico, com distribuição de renda, poderiam ampliar a ascensão das classes mais baixas. A China já está fazendo isso, agora de forma mais acelerada por conta da crise internacional”, compara.
Na China e na Índia também há miséria e uma classe média emergente, assim como no Brasil. Conforme afirma Paulino, o consumo interno nesses países tem um papel importante, pois dá sustentação para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). “No Brasil isso já é uma realidade, pois dois terços do PIB é formado pelo consumo das famílias. Na China, o consumo das famílias é ainda baixo e o que sustenta o crescimento são o investimento e as exportações”, confirma. Já para Sawaya, é visível o investimento para o país se tornar líder nos diversos setores, principalmente naqueles de elevada tecnologia, enquanto a Índia tenta ir além do setor de serviços para a tecnologia da informação, e desenvolver melhor sua indústria e máquinas para promover um crescimento mais autônomo. “A Rússia é um caso diferente. Após as políticas neoliberais que quase destruíram por completo sua economia nos últimos anos, retomou em parte o controle de modo a promover uma modernização industrial”, explica.
No caso do Brasil, busca-se o desenvolvimento exportando minério de ferro e soja. O pesquisador recorda ainda que, para a China, o Brasil exporta somente commodities e que esses produtos têm adquirido espaço e importância na pauta econômica do resto do mundo. Para ele, a economia brasileira está se reprimarizando, por causa da grande concorrência com outro país do Brics. “Exportamos hoje manufaturados para a América Latina. Já fomos grandes exportadores de calçados para o mundo (há dez anos), mas a China tomou nosso mercado e muitas fábricas fecharam, e pólos de produção de calçados foram desativados. Já tivemos 60% de nossa pauta de exportação em produtos industrializados, reduzida hoje para 40%, por conta da concorrência com a China”, confirma.
Segundo Sawaya, a recente inserção da África do Sul ao bloco não deve trazer grandes mudanças para a economia do Brasil e para a dinâmica dos Brics, entretanto, pode ser interessante para ampliar a exportação de manufaturados brasileiros para aquele país. “O resultado depende de como a China irá se comportar com relação à África do Sul. O fato é que está muito desigual a troca comercial entre os Brics por conta do peso da China em produtos industrializados, setor que ela vem gradativamente dominado”, relata.
O sistema fiscal e a inflação nos Brics
Outro ponto de divergência entre os BRICs está na carga estrutura fiscal de cada país. “A considerar as diferenças na carga tributária é de se supor que a estrutura de gasto seja também bastante diferente”, aponta Paulino. A carga fiscal da Rússia, China e Índia, gira em torno de 25% do PIB. No Brasil , esse índice é de 36%. Em relação à inflação, assim como ela tem aumentado no mundo todo, no Bric este fenômeno também ocorre. No Brasil, na China, na Rússia e na Índia, o índice inflacionário está no limite de 6%, 5%, 9,1% e 8,3%, respectivamente. “Enquanto no Brasil, o Banco Central usa os mecanismos tradicionais de política monetária para controlar a inflação, ou seja, taxa de juros, na China eles controlam a capacidade dos bancos comerciais criarem moeda por meio do aumento dos depósitos compulsórios sobre os depósitos à vista. Eles também estão subindo a taxa de juros, mas muito menos que o Brasil”, analisa Paulino.
China e Brasil se aproximam comercialmente
No último dia 11 de abril, a presidente Dilma visitou Pequim, na China, com o intuito de estreitar os laços comerciais entre os dois países. Vale salientar que mesmo antes dessa visita, a China já era o maior parceiro comercial do Brasil, com intercâmbio de US$ 56 bilhões em 2010, representando crescimento de 52,7% em relação a 2009. O encontro foi marcado pelo anúncio de que os chineses abrirão, pela primeira vez, seu mercado para a exportação de carne suína brasileira, além do investimento de US$ 300 milhões, pela companhia de telefonia e internet Huawei – a maior do país –, para construir um instituto de pesquisa e tecnologia em Campinas (SP).
“Estamos nos tornando novamente dependentes de tecnologia e produtos industrializados de alto valor agregado. Damos em troca produtos primários de baixo valor, que produzimos com tecnologia avançada importada. Eles possuem uma estratégia de país hegemônico. Se nós fizermos acordos e negociações sem estratégia de longo prazo, como eles fazem (de 15 anos), vamos trocar a dependência que tivemos dos EUA por outra, da China”, alerta Sawaya. Já Paulino enxerga a visita de um modo mais positivo. “A visita certamente fortaleceu os laços econômicos e políticos entre os dois países. De imediato houve o anúncio do governo chinês de comprar os aviões da Embraer e abrir o mercado chinês para a carne suína do Brasil. No longo prazo certamente os resultados serão positivos porque a China é um ator do comércio internacional que veio para ficar”.
América Latina
Além da Rússia, China, Brasil, Índia e África do Sul, a Argentina também é considerada emergente e faz parte do G-20. Porém, assim como outros países da América Latina, também sofreu um colapso econômico. A crise, que se deu durante parte da década de 90 e início de 2000, foi motivada pela quebra do sistema bancário do país. “A Argentina ainda sofre muito com seus erros do passado, por ter se mantido muito tempo com o câmbio valorizado, e por isso conseguiu destruir quase por completo sua indústria. Foi obrigada a declarar moratória, o que repercutiu positivamente sobre sua economia e crescimento. Mesmo assim, não sabe como reconstruirá seu parque industrial”, explicita Sawaya.
O pesquisador também menciona que os outros países na América Latina são economias sem indústria. Portanto, têm características completamente diferentes e não conseguem sair do atraso e fazer uma política de crescimento e desenvolvimento. “As brigas entre as elites que controlaram sempre suas riquezas e as ideias modernizantes não deixam que se desenvolvam”. Para Paulino, “cada um desses países vive uma situação bastante diferenciada em relação ao outro, mas todos têm se recuperado graças, em grande parte, à exportação de commodities, principalmente para outros mercados emergentes como a China e a Índia”. E conclui afirmando a importância dos países emergentes para a economia global da atualidade. “Enquanto as economias desenvolvidas estão crescendo pouco ou se encontram estagnadas, os países em desenvolvimento estão crescendo mais rapidamente. Segundo o Banco Mundial, a economia mundial deve crescer cerca de 4% em 2011, puxada por um crescimento médio de 6% das economias emergentes e apenas 2% das economias desenvolvidas”
Por Carolina Octaviano
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